22.2.18

Esse dom de abrir caminhos



Ser professor é basicamente uma aposta no futuro e, por isso, 
o professor está condenado a ter esperança.

Leandro Karnal

Autopsicografia


O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm.

E, assim nas calhas de roda,
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa

11.2.18

Não se deixe


Mas sei que Deus está no perigo e eu
eu preciso de falhas.
Preciso da tinta descascada,
da aspereza que esqueceram de polir,
do defeito que fugiu aos olhos.

Antes o risco,
antes a inquietação e suas agulhas
do que amarrar-se à permanência
e murchar-se.
Antes o precipício
do que a clausura
entre paredes com olhos
quando estamos nus.

Carmen Sylvia Alves de Vasconcelos

Poema ao Verão


Vem...Verão... com pétalas de sol zunindo
a tarde ameaçada pelo incêndio da noite 
súbita de harmonias, rasgada de ocultas aves
ciciando a espuma translúcida dos olhos,
devorada de penumbra.

Vem... Verão... coberto de sonhos rente ao rio
exausto, de vermes apodrecidos
sob o hálito fugidio das folhas secas
– de sol e mistério breve – 
num harpejo de searas e semente.

Vem... Verão... dócil sonâmbulo abrindo
as entranhas da terra grávida,
de secura e pólen amarelo
em crepúsculos voando o inverno
num violino de cigarras.

Vieira Calado

5.2.18

Soerguer-se


As pedras que erguemos 
do percurso que seguimos 
são para subirmos novamente 
no muro que nos escondeu o sol. 

Thiago Azevedo

4.2.18

O mundo não está aí pra virar poesia


o mundo não está aí pra virar poesia
embora a árvore parada aguarde em silêncio
pronta pra ser fotografada
o gato de preto e punhos brancos
ande sempre com seu melhor traje
e os pássaros em voo sincronizado
denunciem pela perfeição dos movimentos
que ensaiaram durante horas

o vento orquestra uma sinfonia muda
os panos de chão dançam pendurados nas janelas
as formigas
fingindo trabalhar
desfilam com suas folhas verdes
alegorias de mão
e mesmo as paredes se deixam cobrir de limo
descascam voluntariamente
em permanente exposição

Ricardo Silvestrin

3.2.18

Passa o tempo


Morena, dos olhos d'água,
Tira os seus olhos do mar.
Vem ver que a vida ainda vale
O sorriso que eu tenho
Pra lhe dar.

Chico Buarque