15.2.14

Poesia nas alturas

Só ficarão sabendo da minha verdade
E alguns segredos
Alguns poucos
Alguns míseros anjos loucos. 
(Dora de Oliveira em Voos Diversos - página 23)


Debaixo desta cidade
Desta cidade muda
Os homens esperam
Migalhas e milagres. 
(Dora de Oliveira em Voos Diversos - página 35)

A escritora e poeta Dora de Oliveira lançou o livro Voos Diversos. É sua primeira obra completa depois de publicar em duas antologias. Recebeu menções honrosas no Prêmio Mundial de Poesia Nósside, mas, com modéstia, considera-se ainda "uma aprendiz" no mundo literário. Para escolher o repertório de Voos Diversos, ela recorreu a métodos bastante democráticos: submeteu seus escritos ao público leitor, por meio das redes sociais. Os poemas mais curtidos pelos internautas foram parar no livro, para que agora você possa voar em deliciosos versos. Sua poesia contempla a vida nas coisas simples: a mãe que se foi e deixou um vazio, a flor que baila movida pelas asas de um passarinho ou o início de um grande amor. Leia, logo abaixo, um bate-papo com a autora.    


ENTREVISTA COM DORA DE OLIVEIRA

Voos Diversos presenteia o leitor com uma escrita leve,
reflexiva e autobiográfica

Quando surgiu o gosto pela escrita?
Com certeza, na infância. Nasci numa cidade do interior. Meu pai era auxiliar de uma professora no Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Para alfabetizar os adultos, eles recebiam um material didático e livros com histórias muito interessantes. Lembro-me de uma que li incansavelmente, "Epaminondas". Comecei a ler com seis anos, auxiliada por minha irmã mais velha. Naquela época, fui considerada uma leitora precoce.

Sofreu influência de familiares e amigos que escrevem?
Sim, do meu avô materno. Ele era um homem calado, falava o mínimo possível. Vivia dentro de seu mundo. Escrevia sobre situações de tristeza ou sofrimento vivenciadas por ele mesmo. Um dia, estava brincando com meus primos e minha irmã, quando ele, de longe, do alto da varanda, espiava a cena com um lápis na mão. Ele me chamou e me passou aquele lápis. Mais tarde, entendi a metáfora: o lápis era um bastão.

O prazer pela leitura foi o primeiro passo para se tornar escritora?
Sem sombra de dúvida, mas não me considero uma escritora. Talvez seja ainda uma aprendiz. A leitura permite que façamos viagens inesquecíveis. Quando leio, transporto-me para o lugar onde o romance ou a história acontece.

Já publicou outros livros?
Tenho poemas publicados em duas antologias italianas, advindos das menções honrosas que recebi no Prêmio Nósside (reconhecido pela Unesco), e um poema publicado em uma antologia, em São Paulo. Voos Diversos é o primeiro, tenho outro preparado que deverá se chamar Voos Noturnos. É lamentável o autor independente ter de enfrentar tantas dificuldades para publicar uma obra, pois a produção tornar-se algo bastante oneroso.

Em 2012, Dora publicou o poema
"Uma sombra de mim" na obra Antologia de Ouro

Como surgiu a ideia de publicação dos poemas nas redes sociais?

Antes de entrar no Facebook, enviava meus poemas aos amigos por e-mail. Então alguém sugeriu que eu começasse a publicá-los lá. Com o tempo, fui percebendo que ali era mesmo um bom lugar para que eles fossem avaliados pelos leitores. E foi assim que pensei Voos Diversos: concebê-lo de poemas que receberam bastantes curtidas e comentários. Assim, creio que ele está, de certa forma, respaldado pelo público.

A leitura e a escrita são para você formas de terapia?
Sim. Costumo dizer que me trato por meio das leituras que faço e do que escrevo, o que não deixa de ser uma forma de refletir sobre o cotidiano, sobre a vida.

A escrita salva?
Posso afirmar que sim, salva. A arte, como um todo, é um santo remédio para inúmeros males.

Como é seu processo de escrita? Há algum ritual para se inspirar? 
Escrevo a qualquer hora. Uma vez estava chegando à minha casa, descia uma rua cheia de árvores e me surgiu um poema. Busquei na bolsa uma caneta e não a encontrei. Peguei meu batom e, num pedaço de papel, escrevi. Já acordei de madrugada para escrever. Hoje utilizo o recurso de gravar no celular; portanto, se me virem andando em círculo na rua e falando sozinha, tenham certeza de que estarei compondo.

Alguns escritores profissionais afirmam que a escrita é mais transpiração do que inspiração. Isso porque, quando há prazos, é necessário se concentrar na técnica e no esforço de criação, independentemente de qualquer insight divino. Você concorda com isso?
Para mim, com certeza, é mais inspiração. Depois que escrevo, dificilmente altero o que escrevi. Meus poemas são livres. Às vezes, um ou outro parece enquadrar em algum conceito poético. Mas, na maioria das vezes, preservo a forma em que foi escrito, mantendo o efeito das disposições de palavras. Gosto muito da escrita com sonoridade.

Escreve também crônicas e contos?
Arrisco, de vez em quando, uma crônica. Mas esse ofício demanda mais tempo e concentração.

Quais são seus autores prediletos?
São vários. Em primeiro lugar, Guimarães Rosa, com sua poética do sertão, indispensável a todos nós. Depois, Carlos Drummond, Adélia Prado, Maiakovski, Leminski, Érico Veríssimo, Raduan Nassar, Emily Dickson, Jorge Amado, Adonias Filho, Fernando Sabino, Cruz e Sousa, Carolina de Jesus, Ariano Suassuna, Os irmãos Campos, entre outros.

O que você costuma fazer nas horas vagas?
Ler, nas horas vagas e não vagas. Sair para lugares de muito verde, subir a Serra do Cipó. Vou à Serra desde 1986 e não me canso de sua beleza.

O que podemos fazer para despertar nos outros o gosto pela leitura, sem esperar do poder público ações ou projetos grandiosos? Veja o exemplo da Borrachalioteca de Sabará (MG), em que uma oficina se transformou em ponto de leitura.
Tudo começa em casa. As crianças vendo a família com um livro nas mãos com certeza vão desejá-lo. Em muitos momentos, as pessoas acabam se espelhando em nós. Faço amigos dentro de metrô e de ônibus por estar lendo. Então, o primeiro passo é mostrar ao outro a importância da leitura, sem ser pedante. Outras iniciativas que estão aí e são imensamente válidas são os pontos de leitura, criados de diversas formas estimulantes e criativas. Cito o próprio retorno da ação do ponto de leitura da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte (SLU). Vários leitores surgiram por termos os estimulado. Conheço inúmeras experiências em seminários dos quais participei como mediadora de leitura. Na época, conheci a Borrachalioteca, inclusive, ganhadora de importantes prêmios.


Para entrar em contato com a escritora Dora de Oliveira, 
mande um e-mail para torremagica@gmail.com.


pedro antônio de oliveira