Era uma daquelas tardes quentes e abafadas de março. Saí da escola louco para tomar o ônibus e chegar logo em casa. Já me preparava para atravessar uma avenida quando vi um casal de cegos. Tive dúvida: será que me ofereço para ajudá-los? A esquina era perigosa. Passavam veículos em alta velocidade. Resolvi me aproximar, porque senti um certo desconforto ao vê-los parados ali, na minha frente.
“Ei, vocês querem uma ajudinha?” O rapaz disse “sim”. A menina segurava seu braço. Formamos um trio simpático em plena tarde calorenta. “Mas eu acho que devemos esperar um pouco, porque o sinal está aberto para os veículos”, falei procurando ser divertido e familiar. O moço concordou com um “tudo bem” descolado e continuou o papo com a garota. Achei melhor assim. Daí, me senti mais à vontade. Isso durou só um segundinho, porque, no momento seguinte, pensei que pudesse estar atrapalhando o papo dos dois, sendo, digamos, um pouco intruso.
Esperei o sinal ficar verde para pedestres. Uma pequena dose de cautela não faria mal algum. Que graça tem virar boliche humano? E, depois, parecia que os dois não estavam assim, com tanta pressa.
Ao fim de uma pequena eternidade, o sinal fechou para os carros e começamos a travessia. O rapaz me segurou pelo braço. Parece ser essa uma boa tática dos deficientes visuais, porque você acaba indo à frente, e eles não se sentem presos, tendo alguém como referência para seguir o caminho.
Terminamos as duas faixas de avenida, e ele se despediu da moça, que disse que seguiria por outra rua. Não perguntei seu nome. Pensei ser intimidade demais. Ele quis saber onde eu estudava, e eu expliquei. O rapaz não fez comentários. Espero não ter soltado besteiras do tipo: “ah, minha aula é ali, naquele prédio azul do banco tal...”. Subimos conversando sobre os buracos na calçada. E ele concordou, contando que havia trechos ainda piores em outros pontos da cidade.
Eu, cheio de cuidados, e ele parecendo mais firme nos passos que eu. Falei que seguiria até mais à frente. E ele, que ficaria na próxima quadra. Caminhamos um bom tempo em profundo silêncio. Logo chegamos à tal esquina. E qual não foi meu espanto? Não precisei falar que havíamos chegado. Simplesmente, ele sabia. Então ele me agradeceu, largou meu braço e se virou, descendo a rua. “Vai com Deus”, me despedi.
Fiquei intrigado. Prossegui em direção ao ponto de ônibus, imaginando mil coisas. Talvez ele contasse os passos ou aguçasse a audição. Eu me lembrei do caso de uma senhora. Apesar de não enxergar, ela passava roupas com habilidade, sem se queimar ou estragar o tecido, segundo minha mãe.
Desatento, tropecei num paralelepípedo saliente e quase meti os joelhos no chão.
Pedro Antônio de Oliveira