8.6.22
Sonhos e planos
Alados fragmentos
Este pequeno texto foi feito tão e somente com citações de João Guimarães Rosa, sobre os quais cometi a heresia criativa de ordená-las, mexê-las e cortá-las para que se tornassem uma peça única, mas sempre mantendo os elementos mágicos do mestre de forma perceptível. Adorei a brincadeira.
6.2.22
Saudades luminosas
5.1.22
Neste circo ao vento
GPS
Amor astronauta
19.10.21
Colégio Santo Agostinho promove bate-papo sobre o livro Oreosvaldo, o Pássaro das Sombras
Pena que passou rápido!
Muito obrigado à direção, à supervisão pedagógica, ao setor de biblioteca, à informática (que deu uma forcinha!), aos professores e aos alunos do Colégio Santo Agostinho! Um abração!
23.9.21
Pássaro das Sombras no Colégio Dona Clara
1.8.21
Um dia especial
De repente, um vírus surge e se espalha rapidamente pelo mundo inteiro. Eu não tinha a real noção do que estava acontecendo até receber a notícia de que, no dia seguinte, eu teria que trabalhar em casa, obrigatoriamente, sem prazo para retorno presencial.
Eu me lembro bem do susto causado pelo vírus ebola, na África, da gripe suína que alcançou dezenas de países, incluindo os Estados Unidos, provocando muitas mortes no México. Não posso me esquecer também da epidemia de cólera no Brasil, no início dos anos 1990, quando passei as férias no Rio de Janeiro e quase tomávamos banho (meus primos e eu) com água mineral, por medo de contaminação (e excesso de zelo dos adultos). Caixas com vidros vazios de água se acumulavam na calçada do prédio onde ficamos hospedados.
Mas nada se compara ao terror do coronavírus, que nos deixou isolados, amedrontados, indefesos, de máscara (escondendo nosso sorriso); em alguns momentos, sem esperança diante dos milhares de mortes noticiados diariamente no país. Vale lembrar que o Brasil chegou a registrar em março de 2021, em apenas 24 horas, mais de 3.100 óbitos. Uma tristeza, uma catástrofe.
Após semanas e meses tão sombrios, a luz, o alento, a vacina! Impossível não se emocionar diante da perspectiva (mesmo que distante ainda) de voltar à vida normal.
Tudo ficou bem diferente na minha rotina. Assumi inúmeras tarefas que antes não eram minhas por permanecer quase todo o tempo fora de casa, trabalhando. Para proteger meus pais, passei a realizar todas as compras e resolver o que fosse preciso, de maneira a evitar que saíssem às ruas. Amadureci bastante diante de um novo desafio, o de me tornar pai dos meus pais, de higienizar tudo o que chegava, de auxiliar minha mãe com a panela de pressão, de fazer caminhada com meu pai como meio de disfarçar a prisão que impus a ele. (Engraçado que sempre sonhei em passar mais tempo com eles, de estar em casa à tarde, como nos tempos de criança, de não ter que me deslocar todo dia para o trabalho, enfrentando trânsito... Não pensei que iria vivenciar essa experiência, só que de um jeito mais angustiante, menos prazeroso.)
Foram incontáveis situações inusitadas (as quais não vou narrar aqui) como, por exemplo, blindá-los de visitas de familiares nos períodos mais críticos da pandemia e passar horas vendo filmes, séries e vídeos do YouTube para distraí-los, já que a tradicional programação da TV aberta se tornou ainda mais enfadonha e repetitiva com as reprises das novelas que minha mãe sempre fez questão de acompanhar.
Com tudo isso, comecei a experimentar a brincadeira de produzir alguns vídeos para o YouTube. Horríveis, na minha avaliação, em virtude da pressa, da falta de ânimo e da destreza que perdi por passar anos sem gravar coisa alguma.
Mas está aí o registro da minha primeira dose de vacina contra a covid-19. Na pressa, esqueci o apoio da câmera e fui filmando heroicamente com uma das mãos e dirigindo também com apenas uma delas, o que não recomendo a fazer por se tratar de um ato incorreto em termos de segurança no trânsito.
Perdi a timidez e decidi postar aqui essa alegria como forma de agradecer a Deus a oportunidade de estar vivo, de receber a vacina, e homenagear todos os profissionais que tornaram possível esse dia. Aos cientistas, médicos, enfermeiros, técnicos, todas e todos os envolvidos, o meu muito obrigado, minha gratidão, meu reconhecimento e minhas preces de proteção.
Que a gente aprenda algo útil e libertador, que haja um significado maior de evolução por trás disso tudo, que possamos enxergar além da materialidade um novo caminho, uma saída para nossas trapalhadas como seres humanos e nos tornemos espécies melhores. Há muito chão pela frente, eu sei. Basta ler os jornais e portais, e constatar ainda tanta desumanidade, tanta destruição da natureza, tanta escravidão de animais e humanos, tanta atrocidade. Quanta falta de bom senso. Quanta ausência de amor.
Mas não percamos a fé e a vontade de sermos um dia, de fato, centelhas de luz nesse mistério todo, que é a nossa existência no universo.
Um abraço a todos e todas. Continuem se cuidando. O meu carinho por sua presença e por sua leitura. Assista ao vídeo. Faça um também. Passe a registrar os dias especiais porque a vida, a vida é tão rara.
Pedro Antônio de Oliveira
18.6.21
Poesia

5.6.21
Mistério do planeta

22.5.21
Exercícios de crescer
5.5.21
Minuano

13.4.21
Pela janela aberta
28.3.21
Previsão do tempo

Tédio

Sonhar

Juntos

17.3.21
Canción con todos

5.3.21
Esperando aviões

Durante esta pandemia, comecei a rastrear os aviões no céu. Toda tarde, caminhando entre os muros da minha casa, me habituei a seguir aqueles pássaros de ferro por meio de um aplicativo. Então descubro de onde vêm e para onde estão indo. Se vão viajar para muito longe, se trazem alguém de volta pra casa.
Fico imaginando as pessoas lá dentro com suas histórias, seus sonhos, suas tempestades e alegrias. Fico querendo também ganhar a liberdade, abrir as asas, deixar as preocupações de lado, encontrar meus amigos, abraçar de novo, sorrir, sentir o vento atrapalhar meus cabelos, o sol dourar meu rosto e aquecer minha esperança.
Tão bonita a vida, tão preciosos os encontros, tão necessário o afeto. Quando foi que começamos a nos perder? Se seguirmos a fumacinha branca daquele avião, encontraremos de novo o paraíso do qual um dia fomos expulsos?
Em tempo: Hoje minha cidade decidiu fechar todo o comércio não essencial outra vez. Agora o perigo do tal vírus ameaça as crianças. Há várias internadas e outras na fila de espera. Estou me sentindo triste.
Pedro Antônio de Oliveira
Busca verdadeira

Frase de um cartaz colado nos muros de Paris em maio de 1968
Efemeridade
21.1.21
Amor nosso
12.1.21
O jangadeiro

1.1.21
Evocação mariana

24.12.20
Feliz Natal!
17.12.20
Nadador
10.12.20
Poema do beco
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
Escapulário

8.12.20
Bicho encantado
Repenso o mundo

19.11.20
Invisivelmente, amor

12.11.20
Todas as manhãs

2.11.20
Sem barreiras para a leitura e a imaginação
31.10.20
Plenitude

De não precisar de mais nada
De estar sempre a gingar
Numa rede presa à Lua.
Pedro Antônio de Oliveira
25.10.20
Além do viver
19.10.20
Breu

12.10.20
Haverá quem duvide...

Que seu coração volte a se lembrar

14.9.20
A primeira vez da idade

1.9.20
Tecelã

30.8.20
A menina dos potes de mel
Ela caminhava como uma estrela sozinha, deixada para trás pelos irmãos mais velhos. O sol era tão forte que, de vez em quando, ela parava um pouco à sombra de uma castanheira para limpar o suor que banhava a pele jovem de menina.
A doçura daquela missão tinha muito a ver com os potes de mel que vendia. Tudo era produzido pelo pai, ferroviário, no quintal de sua casa. A mãe era tecelã, uma zelosa dona de casa com seus seis filhos. O pai, por força da necessidade, logo se revelou um habilidoso regente de uma orquestra feita de ouro. Passeava entre os caixotes de abelhas como quem protegia crianças num berçário.
A filha mais nova se esforçava para convencer seus potenciais clientes.
– É ótimo para curar gripe, garganta inflamada, tosse e nariz escorrendo – dizia a garota completamente vermelha da quentura do meio da tarde. Tão pequena ainda, mas tão determinada a se tornar uma vendedora de respeito. Às vezes, botava os potes dourados no chão para conseguir escalar a ladeira.
– Compra, compra de mim um pote de mel. É muito bom para a saúde, curar chieira no peito, fortalecer menino que nasceu franzino e desgrudar pigarro esfolando a goela.
Não havia quem não se comovesse ao ver aquela mocinha frágil, custando a carregar a saborosa mercadoria, arrastando seus chinelos velhinhos sobre a terra grosseira.
– Quando a gente está quase gripando, minha mãe derrete bastante mel no leite quente, mistura umas folhas verdes e dá esse chá pra gente beber.
Animados, os crédulos fregueses perguntavam:
– É mesmo? E vocês melhoram?
E com a transparência de um pequeno anjo esquecido na Terra, ela respondia:
– Ah... nada!
Arrancando risos de todo mundo, diante de tamanha sinceridade, a jovem vendedora ia colecionando sorrisos de estranhos pelo caminho, enquanto via, um a um, os potes de mel desaparecendo da sacola. Ela voltava para casa com os bolsos cheios de dinheiro, na certeza de ter vendido muito mais que a doçura daquele néctar dos deuses, ao distribuir de brinde a leveza e a inocência da infância.
(Esta é uma história verdadeira. Minha mãe é a menina dos potes de mel.)
Pedro Antônio de Oliveira
29.8.20
Uma de minhas saudades

Minha avó amava aquela pilha de discos de vinil. Talvez, hoje, muita gente não faça a mínima ideia do que seja isso. Na lista de seus preferidos, havia um português que cantava o Carimbó e a saudade de sua terra. Um outro deixava vovó vidrada com sua música bonita sobre alguém sentado à beira de um caminho quase sem fim. Acho que a vó sentia muita falta do vô, quando escutava essa.
Ao voltar da escola, vovó cantava pra mim, batendo palmas: “Chegou o general da banda... ê... ê...! Chegou o general da banda... ê... a!”, da Elis, na maior alegria. Vovó, sempre musical. Ela também adorava rádio. Ficava abraçada a ele pelas longas horas da tarde.
Agora paro pra pensar e descubro que as canções pareciam um pouco a história dela. A vó passava horas ouvindo música. Pedia pra trocar o disco, repetir um e outro, ou desligar de repente, porque já estava cansada e queria puxar um cochilo.
Às vezes, tinha vontade de ouvir as minhas, bem na hora em que ela queria as dela. As pessoas diziam que eu era o santo da paciência. Mas, certa vez, me irritei porque vovó não deixava interromper seus LPs, e ainda botou defeito nos meus. Chateado, eu me tranquei no quarto, me fazendo de vítima.
De vez em quando, a vó recebia a visita de dona Maria. Antes de abrir a porta, eu penteava seus cabelos brancos, amarrotados de tanto ficar deitada. A vizinha chegava com intimidade de amiga. As duas conversavam e davam sonoras gargalhadas. Elas, quase da mesma idade, pareciam tão meninas, quando se juntavam para tagarelar. Era a luz da vida voltando a brilhar em seus olhos.
Se chovia forte, vovó mandava acender velas e todo mundo se reunia no quarto pra rezar. Confesso que aquelas orações me deixavam ainda mais apavorado, pois era sinal de que a tempestade estava feia.
Aos poucos, ela começou a arrastar devagarinho o chinelo pela casa. Com o tempo, era empurrada numa cadeira, uma espécie de carrinho de bebê para adultos. O fim se parece com o começo. Vamos desaprendendo um tanto de coisas e nos tornando mestres em outras. Os olhos ficam embaçados como um vidro suado de chuva.
Mamãe amassava o arroz com o feijão e preparava uma papinha, feito comida de neném. Mesmo assim, de vez em quando, ela engasgava. Era um deus-nos-acuda. Uma aflição! E, como toda criança, a cada dia, ela gostava mais e mais de ouvir histórias. Vovó não podia mais correr, não podia mais se arriscar pelo mundo. Tenho certeza de que era por isso que os livros pareciam aventuras reais que a levavam de volta para a emoção da vida.
Logo que ela começou a reclamar de umas fortes dores na barriga – e vovó nunca se queixava de nada –, alguma coisa me dizia: vêm aí dias cinzas e de silêncio. “Vó, quer que eu bote uma música?” – eu sugeria, lutando para afastar os maus pressentimentos. Ela não queria mais. Nem eu.
Os discos dela e os meus só voltaram a tocar naquela vitrola muito, muito tempo depois, quando a tristeza, distraída, ia sendo levada pelo tempo. Ficaram boas lembranças, coisas que os anos não conseguiram roubar de mim.
No dia em que vovó partiu, fui eu quem dei a notícia a dona Maria. Cheguei a cara na janela baixa da sala da casa dela e contei. Ela chorou, colocando as mãos no rosto, como se quisesse se esconder da pior dor do mundo.
Acho mesmo que os adultos devem renascer lá pelas terras da esperança, um horizonte iluminado por um sol feliz e amarelo, arco-íris, gramado aparadinho pra deitar e rolar, sem contas, sem fila, sem gripe, sem nada de ruim pra nos chatear.
Eu tenho muitas fotos da vovó. Todas alegres. Na caixa de recordações, lá estou eu, bem pequeno, zanzando pelo quintal, quietinho no colo dela ou posando nos dias de festa.
Já sonhei com ela várias e várias vezes. Em uma delas, a gente viajava num trem a vapor, por uma estrada cheia de curvas. Outra vez, eu visitava a vó num prédio bem alto. Subi centenas de degraus sem, ao menos, me cansar, uma sensação esquisita, como se estivesse escalando uma montanha para tocar uma estrela. Será?
18.8.20
Não me canso de sonhar com dias assim
10.8.20
Desde que o samba é samba
1.8.20
Meu ideal seria escrever...
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada como o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má-vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera, a minha história chegasse – e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário (autoridade policial) do distrito (divisão territorial em que se exerce autoridade administrativa, judicial, fiscal ou policial), depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse – “por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!” E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa (habitante da antiga Pérsia, atual Irã), na Nigéria (país da África), a um australiano, em Dublin (capital da Irlanda), a um japonês, em Chicago – mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: “Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou (introduziu-se lentamente em) por acaso até nosso conhecimento; é divina.”
E quando todos me perguntassem – “mas de onde é que você tirou essa história?” – eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: “Ontem ouvi um sujeito contar uma história...”
E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.