3.6.20

O grande erro


Eu juro que nunca fui um garoto violento. Pra ser sincero, na escola sempre estive mais para saco de pancadas do que mesmo para um facínora desalmado. Mas, quando vi, já estava dando um soco no nariz daquele menino que não conhecia e de quem nunca senti raiva na vida.

Lembro que ele estava mexendo com as meninas no corredor, antes de começar a aula. Daí, uma delas pediu que eu "desse um jeito" naquele chato. Foi quando o empurrei e apliquei o golpe bem no rosto dele, um nocaute. Ele não reagiu. Apenas levou a mão ao nariz, provavelmente sentindo o calor do sangue a escorrer pela face. Jamais me esqueci daquela cena. Eu me senti um covarde, um verdadeiro pusilânime, principalmente porque o menino não revidou.

Aquilo não era uma briga nem era uma disputa. Não houve provocações, a história não era comigo. Pra que fui cometer aquela besteira? Aposto que doeu mais em mim do que nele. As meninas comemoraram meu gesto heroico, como se eu fosse um vencedor. Vencedor? Vencedor de nada! Se eu pudesse, voltaria no tempo. Creio que meninos sejam todos assim, incongruentes, estranhamente cruéis sem necessidade: sempre que encontram alguém mais fraco, tentam dominar, mesmo um sujeito como eu, uma verdadeira mosca morta para assuntos de guerra. Apanhar dói menos, infinitamente menos, concluí.

Devia ter pedido desculpas, dito a ele que tudo foi um engano, uma insanidade, que eu estava arrependido. Ou, quem sabe, oferecer meu nariz para que ele também pudesse dar um socão. Não fiz nada disso. Outra vez fui um fraco; outra vez, um perdedor.

O tempo foi passando e fomos crescendo. Algumas vezes eu o encontrei no ônibus. E ele me olhava com a cara fechada, olhar amedrontador como se dissesse que um dia iria dar o troco. Eu sentia só um dedinho de medo dessa hora chegar. Nunca chegou.

Anos mais tarde, eu já seria adulto. Uma garota grávida, que conheci menina dos corredores do colégio, pregaria seus olhos em mim, descuidadamente. A seu lado, um rapaz, um velho conhecido meu. Ele me olharia profundamente, segurando um cachorrinho felpudo em plena manhã luminosa. Dizem que pra gente sempre se lembrar de alguém, mesmo que os anos se passem, basta fixar a atenção nos olhos. O olhar permanece igual. Tive a certeza disso. Era minha vítima, a do soco. Eu, o agressor, teria uma segunda chance: pedir desculpas.

Meu coração bateria acelerado e eu me apresentaria. E ele se lembraria. E sorriria impressionado por eu ainda me recordar daquele dia, daquela cena. E ele aceitaria meu pedido de perdão e trocaríamos um aperto de mãos. E ficaríamos amigos. Uma amizade adiada em muitos anos.

Ele parecia um cara bem divertido. Leve, talvez não quisesse revolver a poeira do tempo. O garoto, agora um rapaz, em paz, sorriu para minha mãe no momento em que ela passou perto dele e brincou com seu cãozinho. Ele foi gentil, devolveu o afago em seu pet com uma cara boa, a melhor cara do mundo. Eu permaneci vacilante, sem saber se puxava conversa com ele, se perguntava sobre aquele fato do passado. E a chance de novo se foi.

Esta é uma história real que ainda espera por um final, de preferência feliz. Se eu esbarrar outra vez com minha vítima, não vou deixar escapar de novo a oportunidade de reparar meu grande erro. E aí, eu conto aqui pra você. Prometo.

Pedro Antônio de Oliveira

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