17.2.19

As jabuticabas



Estavam tão maduras que foi impossível resistir. Entrei no quintal vizinho, pulando a cerca. Quase deixei presa parte da minha cabeleira no arame farpado. Diziam que a dona da casa era meio surda, mas não sei não... Logo que percebeu uma movimentação estranha, a senhora apareceu ventando, armada com uma grande vara de bambu, certa de que havia algum aventureiro rondando sua preciosa jabuticabeira. E não demorou para que eu fosse pego com a boca na botija, dependurado em um dos galhos da árvore.

Quanto mais tentava me cutucar com aquele objeto pontiagudo, mais eu subia pela copa da árvore. A ousadia já estava se tornando bastante arriscada. Meu braço ficou um pouco esfolado na perigosa escalada rumo ao tesouro proibido. Consegui encher uma sacola imensa com jabuticabas. E antes que a senhora pudesse botar as mãos em cima de mim, pulei no chão como um felino, e corri com a habilidade de quem já está habituado a situações delicadas. Escapei pelo quintal do outro lado.

Retirei algumas da sacola e embrulhei tudo em papel de pão. Em seguida, fui para a escola. Já tinha merenda garantida para o dia. Apesar de tudo, eu me senti com sorte.

No meio da aula, me bateu uma vontade incontrolável de experimentar só umas, uminhas! Para que esperar o recreio? Eu me sentava no fundo da sala, um ótimo esconderijo para um lanche fora de hora ou qualquer outra travessura de nível médio.

Mas que pena. O papel se rasgou de repente, fazendo rolar pela sala as preciosas e suculentas jabuticabas. Foram chegando, uma a uma, devagarinho, até o quadro, onde a professora ensinava Matemática. Rolaram espertas e cobertas de poeira do assoalho. Uma cena curiosa e engraçada, se não fosse triste. A aula parou e todos assistiram, surpresos, àquele festival de bolas de gude negras e embaçadas de sujeira do chão da escola.

Eu já devia saber que não existe mesmo crime perfeito.

Pedro Antônio de Oliveira

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